— Eu tenho 25 anos Ministério Público e em todo esse período só tinha me deparado antes com um caso semelhante, de um candidato que forçava seus empregados a votar nele, há mais de oito anos. Este volume de denúncias que tem chegado, a quantidade de empregadores praticando esse ato, é algo que causa espanto a todos nós — disse Ronaldo Fleury, procurador-geral do MPT.
Os estados com maior número de denúncias ficam na Região Sul. Em Santa Catarina, entre segunda-feira e esta quinta-feira, dia 4, foram 60 queixas de coação registradas, referentes a sete diferentes empresas. No Paraná foram 22, contra cinco empresas, e no Rio Grande do Sul, 17, contra oito empresas. Os procuradores não informam para quais candidatos são direcionadas as pressões por voto. Em muitos casos, detalhes das denúncias são mantidos em sigilo para proteger os empregados.
Apesar de terem crescido, as denúncias de coação eleitoral por parte das empresas — quando donos ou gestores imediatos com posição hierárquica superior tentam direcionar o voto sob ameaças — são subestimadas pelas estatísticas, avalia a procuradora do Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT/SP) Elisiane dos Santos. Segundo ela, muitos trabalhadores não denunciam suas empresas por medo de perder o emprego. Com a economia ainda se recuperando lentamente de sua última recessão, a taxa de desemprego no Brasil hoje supera os dois dígitos e está em 12,1%.
— Casos como estes (de coação eleitoral) estão acontecendo muito, e os trabalhadores estão com medo de denunciar, pois têm medo de perder o emprego. E muitas vezes o trabalhador não sabe que este tipo de atitude, por parte do empregador, não pode acontecer em nenhuma hipótese. O empregador tem poder hierárquico e estas atividades político-partidárias, dentro da empresa, são estranhas ao contrato de trabalho e são um desvirtuamento das relações trabalhistas. É uma forma de direcionar sob ameaça, e cerceia a liberdade de escolha e reprime as convicções políticas e filosóficas do empregado — explica.
Ainda segundo Elisiane, empresários denunciados por coação eleitoral podem ser responsabilizados criminalmente.
— Além da nossa atuação, na esfera trabalhista, estes empregadores podem ser responsabilizados na esfera criminal, porque estas condutas caracterizam crime eleitoral — destaca.
Os trabalhadores do setor privado ou regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) podem denunciar coação em empresas aos Ministérios Públicos do Trabalho (MPT) de sua região. Os servidores públicos federais podem apresentar denúncia ao Ministério Público Federal. E funcionários públicos estaduais ou municipais devem procurar o Ministério Público Estadual de sua região.
Empresa gaúcha precisou se retratar
A Tabacos Ditália, empresa de tabaco da cidade de Venâncio Aires, no Rio Grande do Sul, firmou termo de ajuste de conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho em Santa Cruz do Sul, comprometendo-se a se retratar aos empregados por ter feito campanha política dentro da empresa, registrada em vídeo compartilhado nas redes sociais.A retratação, conforme afirmou ao GLOBO o dono da empresa, Gilmar João Alba, de 50 anos, foi feita na tarde desta quinta-feira, em reunião na sede da empresa, que tem cerca de 60 funcionários, com a participação do sindicato da categoria.
— O vídeo nasceu de uma brincadeira, que eu gravei com os funcionários para enviar para os meus filhos, que moram no Canadá. No vídeo eu apareço apoiando e pedindo apoio ao candidato Jair Bolsonaro. Após isso alguém publicou o vídeo, que repercutiu. Em seguida, fui acionado pela Justiça e já me retratei, conforme foi acordado. Eu sei que errei, e agora só tenho que pedir desculpas — disse.
O TAC prevê ainda os compromissos de não coagir empregados a votarem em determinado candidato, de não realizar pesquisas de intenção de voto na empresa e de não pressionar empregados a se manifestarem em favor ou desfavor de qualquer candidato. A coação, imposição ou direcionamento de votos, dentro das relações de trabalho, pode caracterizar discriminação em razão de orientação política, e, ainda, assédio moral.
Na Paraíba, exigência de funcionário atuar como cabo eleitoral
Na Paraíba, o MPT-PB recebeu uma queixa sobre uma empresa que, além de obrigar os funcionários a votarem em determinado candidato, fazia com que eles trabalhassem nas campanhas como cabo eleitoral para conseguir mais votos.No Sergipe, um funcionário relatou à procuradoria do trabalho que foi demitido porque se recusou a fazer campanhas nas redes sociais e a participar de eventos políticos ligados ao candidato apoiado pelo empregador.
A Bahia recebeu duas denúncias nos últimos dias, de uma empresa automobilística e outra da área de saúde, ambas em Vitória da Conquista. Em uma dessas denúncias, recebida nesta quarta-feira, o empregador disse que todos os funcionários deveriam votar em determinado candidato. Entretanto, um empregado disse que não seguiria essa ordem e que votaria em outro candidato. Após a declaração de voto, o funcionário relata ter recebido um aviso de demissão.
Na segunda denúncia que chegou ao MPT-BA, o funcionário relatou que a empregadora obrigou que todos os funcionários levassem o nome completo, número do título de eleitor, endereço completo e telefone de contato de dez parentes. Quem se recusassem a levar a lista, seria demitido.
- Uma funcionária atualizou o status de seu WhatsApp com um banner que fazia alusão a pessoas que perderiam o emprego caso um candidato à presidência não vencesse as eleições. Alguém dos contatos dela viu e fez a denúncia ao MP relacionando isso a mim. Mas eu nunca falei sobre esse assunto com meus funcionários e agora vou ter de perder tempo indo ao MP me explicar - defende-se o empresário.
A equipe do GLOBO não conseguiu contato com o MPT do Maranhão.