Entidades
representativas de juízes, procuradores e advogados se manifestaram
nesta segunda-feira (10) sobre o vazamento de mensagens extraídas do
aplicativo Telegram atribuídas a procuradores da força-tarefa da Lava
Jato em Curitiba, entre eles Deltan Dallagnol, e ao então juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública. As mensagens foram reveladas pelo site The Intercept na noite de domingo (9).
Todas as entidades cobraram a apuração dos fatos:
- A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) disse que "aguarda serenamente que o conteúdo do que foi noticiado e os vazamentos que lhe deram origem sejam devida e rigorosamente apurados";
- A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) afirmou que "cobrará das autoridades competentes a apuração rigorosa, mediante investigação célere, isenta e aprofundada, já que a obtenção ilícita de dados e informações e a interceptação ilegal de conversas pessoais, bem como a sua transmissão a terceiros, além de se constituir em atividade que coloca em risco o trabalho e a segurança dos agentes públicos envolvidos, configuram (...) crimes";
- A força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná disse ser alvo de ataques de hackers desde abril; no domingo, havia dito que os dados eventualmente obtidos refletem uma atividade desenvolvida com "pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial";
- O Conselho Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil recomendou afastamento de Moro e de procuradores. "A íntegra dos documentos deve ser analisada para que, somente após o devido processo legal – com todo o plexo de direitos fundamentais que lhe é inerente –, seja formado juízo definitivo de valor", diz trecho da nota da OAB.
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe):
"A
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) vem a público
manifestar-se sobre a citação, por um site de notícias, do nome da
entidade em supostos diálogos entre o ex-titular da 13ª vara federal de
Curitiba, Sérgio Moro, e membros do Ministério Público Federal
integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato. Diante desse fato, é
importante esclarecer pontos da atuação institucional da Ajufe, que há
quase cinco décadas representa a magistratura federal brasileira.
A
Ajufe tem entre seus princípios pugnar pelo fortalecimento do Poder
Judiciário e de seus integrantes, atuar pelo aperfeiçoamento do Estado
Democrático de Direito e pela consolidação dos direitos humanos. A
entidade também prioriza a defesa institucional da carreira e a
preservação das prerrogativas de seus associados, assim como toda
associação ou órgão de representação de classe.
Em
razão de sua natureza associativa, a Ajufe atua constantemente na
defesa de Juízes Federais responsáveis por julgamentos importantes em
todo o Brasil, incluindo o então Juiz Federal responsável pela Operação
lava Jato.
Vale ressaltar que, no cumprimento dos seus objetivos
institucionais, a entidade se manifestou por meio de 47 notas públicas
desde 2016, das quais apenas 8 tratam da Operação Lava Jato ou do atual
Ministro da Justiça, Sérgio Moro.
A
Ajufe sempre se colocou à disposição de todos os magistrados federais
do Brasil quando em xeque a independência funcional e o livre
convencimento motivado, representado pela liberdade de decidir segundo a
avaliação dos fatos e a interpretação das provas produzidas no
processo.
A
entidade sempre se manifestou e continuará a se manifestar por meio de
notas ou pela palavra de seus dirigentes todas as vezes que tais
prerrogativas estiverem sob riscos, ataques infundados ou criminosos.
As
informações divulgadas pelo site precisam ser esclarecidas com maior
profundidade, razão pela qual a Ajufe aguarda serenamente que o conteúdo
do que foi noticiado e os vazamentos que lhe deram origem sejam devida e
rigorosamente apurados.
A
Ajufe confia na honestidade, lisura, seriedade, capacidade técnica e no
comprometimento dos Magistrados Federais com a justiça e com a
aplicação correta da lei. Seremos incansáveis na defesa da atuação de
nossos associados".
Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR):
"A
Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) reitera a
confiança no trabalho desenvolvido pelos membros do Ministério Público
Federal que atuam na Operação Lava Jato, defende a importância da
liberdade de imprensa e condena a obtenção ilícita de dados, bem como a
sua transmissão a terceiros.
A
partir das notícias que estão sendo veiculadas, com o teor de conversas
supostamente mantidas entre integrantes da Operação Lava Jato e outros
agentes públicos, a ANPR vem a público se manifestar no seguinte
sentido:
Os
dados utilizados pela reportagem, se confirmada a autenticidade, foram
obtidos de forma criminosa, por meio da captação ilícita de conversas
realizadas, violando os postulados do Estado Democrático de Direito. Por
essa razão, são completamente nulos os efeitos jurídicos deles
decorrentes, na forma do art. 5, incisos XII e LVI, da Constituição
Federal e do art. 157 do Código de Processo Penal. A ANPR repudia,
categoricamente, o vazamento de informações obtidas de maneira ilegal,
independentemente da fonte do vazamento, do seu alvo ou do seu objetivo.
Tendo
em vista a gravidade do caso, a ANPR cobrará das autoridades
competentes a apuração rigorosa, mediante investigação célere, isenta e
aprofundada, já que a obtenção ilícita de dados e informações e a
interceptação ilegal de conversas pessoais, bem como a sua transmissão a
terceiros, além de se constituir em atividade que coloca em risco o
trabalho e a segurança dos agentes públicos envolvidos, configuram os
crimes previstos no art. 154-A, §§ 3º e 4º do Código Penal, com pena de
até 3 anos e 4 meses de reclusão, e no artigo 10 da Lei nº 9.296/1996,
com pena de até 4 anos de reclusão.
A
ANPR reitera a confiança no trabalho que vem sendo desenvolvido pelos
membros do Ministério Público Federal que atuam na Operação Lava Jato,
seus associados, bem como a importância da continuação dos esforços que
vêm sendo desenvolvidos, no Brasil, na prevenção e repressão às práticas
de corrupção, que trazem consequências absolutamente negativas ao país.
Também
reafirma a importância da liberdade de imprensa para a consolidação do
Estado Democrático de Direito, bem como destaca, ainda, que as matérias
jornalísticas produzidas devem oportunizar a prévia ouvida dos
envolvidos e ter a cautela de não reproduzir frases descontextualizadas,
soltas, desconexas, que possam confundir, ao invés de esclarecer. Tais
expedientes são fundamentais para resguardar a prática do bom
jornalismo, que vem pautando a atuação da imprensa brasileira".
Força-tarefa da Operação Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná:
"A
força-tarefa Lava Jato do Ministério Público Federal no (MPF/PR) vem a
público prestar esclarecimentos sobre as investigações em curso sobre a
ação criminosa de um hacker que praticou os mais graves ataques à
atividade do Ministério Público Federal, invadindo e clonando aparelhos
celulares e contas em aplicativos de comunicação instantânea. Pelo menos
desde abril os procuradores da força-tarefa vêm sendo atacados,
portanto, muito antes das notícias de ataques veiculadas na última
semana.
Assim
que identificadas as tentativas de ataques contra seus celulares, os
procuradores da Lava Jato comunicaram a notícia do crime à Polícia
Federal e à Procuradoria-Geral da República no objetivo de obter uma
ação coordenada na apuração dos fatos.
O
modo de agir agressivo, sorrateiro e dissimulado do criminoso é um dos
pontos de atenção da investigação.
Aproveitando falhas estruturais na
rede de operadoras de telefonia móvel, o hacker clonou números de
celulares de procuradores e, durante a madrugada, simulou ligações aos
aparelhos dos membros do MPF. Para tanto, valeu-se de “máscaras
digitais”, indicando como origem dessas ligações diversos números, como
os dos próprios procuradores, os de instituições da República, além de
outros do exterior. As ligações eram feitas durante a noite com o
objetivo de identificar a localização da antena (ERB) mais próxima do
aparelho celular, viabilizando assim a intrusão, além de fazer com que o
ataque não fosse descoberto.
O
hacker ainda sequestrou identidades, se passando por procuradores e
jornalistas em conversas com terceiros no propósito rasteiro de obter a
confiança de seus interlocutores e assim conseguir mais informações. O
hacker ainda tentou fazer contato com alguns procuradores utilizando-se
de identidade virtual falsa e com tom intimidatório, mas suas investidas
não foram aceitas pelos procuradores. Além disso, foram identificadas
tentativas de ataques cibernéticos a familiares próximos de
procuradores, o que reforça o intuito hediondo do criminoso.
Conforme
divulgado em 14 de maio, a Procuradoria-Geral da República determinou a
instauração de um procedimento administrativo para acompanhar a
apuração de tentativas de ataques cibernéticos a membros do Ministério
Público Federal, sobretudo procuradores que integram a Força Tarefa Lava
Jato. No âmbito da PGR, foram ainda determinadas providências à
Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação (STIC) no sentido
de diagnosticar eventuais ataques e resolver o problema de forma
definitiva.
As investigações nos diversos âmbitos prosseguem".
OAB manifesta perplexidade tanto pela divulgação quanto pelo conteúdo das conversas
"O
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Colégio de
Presidentes de Seccionais, por deliberação unânime, manifestam
perplexidade e preocupação com os fatos recentemente noticiados pela
mídia, envolvendo procuradores da república e um ex-magistrado, tanto
pelo fato de autoridades públicas supostamente terem sido “hackeadas”,
com grave risco à segurança institucional, quanto pelo conteúdo das
conversas veiculadas, que ameaçam caros alicerces do Estado Democrático
de Direito.
É
preciso, antes de tudo, prudência. A íntegra dos documentos deve ser
analisada para que, somente após o devido processo legal – com todo o
plexo de direitos fundamentais que lhe é inerente –, seja formado juízo
definitivo de valor.
Não
se pode desconsiderar, contudo, a gravidade dos fatos, o que demanda
investigação plena, imparcial e isenta, na medida em que estes envolvem
membros do Ministério Público Federal, ex-membro do Poder Judiciário e a
possível relação de promiscuidade na condução de ações penais no âmbito
da operação lava-jato. Este quadro recomenda que os envolvidos peçam
afastamento dos cargos públicos que ocupam, especialmente para que as
investigações corram sem qualquer suspeita.
A
independência e imparcialidade do Poder Judiciário sempre foram valores
defendidos e perseguidos por esta instituição, que, de igual modo, zela
pela liberdade de imprensa e sua prerrogativa Constitucional de sigilo
da fonte, tudo como forma de garantir a solidez dos pilares democráticos
da República.
A
Ordem dos Advogados do Brasil, que tem em seu histórico a defesa da
Constituição, da ordem jurídica do Estado Democrático e do regular
funcionamento das instituições, não se furtará em tomar todas as medidas
cabíveis para o regular esclarecimento dos fatos, especialmente junto
ao Supremo Tribunal Federal (STF), Procuradoria-Geral da República
(PGR), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), reafirmando, por fim, sua confiança nas
instituições públicas".
Em vídeo publicado nas redes sociais, Dallagnol
diz ser natural a comunicação entre juízes e procuradores sem a
presença da outra parte. Afirmou ainda que o Ministério Público Federal
teve processos recusados --e que 54 pessoas denunciadas pelo MPF foram
absolvidas por Moro.
"A Lava Jato é contra a corrupção, seja de quem ela
for", afirmou.
"É normal que procuradores e advogados conversem com juízes sem a
presença da outra parte. O que se deve verificar é se existiu conluio ou
quebra da imparcialidade. A imparcialidade da Lava Jato é confirmada
por muitos fatos.
Centenas de pedidos feitos pelo Ministério Público
foram negados pela Justiça. Cinquenta e quatro pessoas acusadas pelo
Ministério Público foram absolvidas pelo [então] juiz federal Sérgio
Moro. Nós recorremos centenas de vezes contra decisões, o que mostra não
só que o juiz não acolheu o que o Ministério Público queria mas mostra
que o Ministério Público não se submeteu ao entendimento da Justiça.
Some-se a tudo isso que todos os atos e decisões da Lava Jato são
revisados por três instâncias independentes do Poder Judiciário, por
vários julgadores", disse Dallagnol em um trecho do vídeo.
Dallagnol falou ainda sobre o processo do triplex em Guarujá (SP), no
qual o ex-presidente Lula foi condenado em 2018. "As provas do caso
triplex embasaram a acusação porque eram robustas, e tanto eram robustas
que nove julgadores de três instâncias concordaram com a robustez das
provas e condenaram o ex-presidente Lula".
O procurador comentou ainda que "tentar imaginar que a Lava Jato é uma
operação partidária é uma teoria da conspiração que não tem base
nenhuma".
"Quinze procuradores atuam na Lava Jato só em primeira instância em
Curitiba. Tem mais de 30 servidores que lá atuam também. Grande parte
dessa equipe foi formada antes de aparecer o primeiro político, quando
não se tinha ideia de onde a Lava Jato ia chegar. Além disso, nós temos
outras dezenas de agentes públicos na Receita Federal, na Polícia
Federal, somando centenas de agentes públicos, e imaginar que essas
pessoas vão colocar em risco o sustento da sua família, vão colocar em
risco o seu cargo, para trair a confiança da sociedade ou prejudicar A
ou B, não tem qualquer base na realidade."
Ainda de acordo com ele, "só a Lava Jato em Curitiba acusou políticos e
pessoas vinculadas ao PP, ao PT, ao PMDB, ao PSDB, ao PTB, e só a
colaboração da Odebrecht nomeou 415 políticos de 26 diferentes
partidos".
"Nós, da Lava Jato, nunca caminhamos com a lógica de que os fins
justificam os meios. Não. Essas acusações não procedem, e a origem delas
está ligada ao ataque criminoso realizado", disse o procurador.