A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira (27) anular a sentença do ex-juiz Sergio Moro que condenou em 2018 o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine na Operação Lava Jato.
Bendine foi condenado por Moro a 11 anos de prisão
pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Agora, com a decisão
da Segunda Turma, o processo dele voltará à primeira instância da
Justiça para nova sentença porque, para os ministros do STF, Bendine não
foi ouvido na fase correta.
Na segunda instância, a condenação de Bendine foi mantida,
mas reduzida para 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão. O processo não
chegou a ser concluído, porém, porque ainda faltava a análise de um
recurso.
Aldemir Bendine foi alvo de delações premiadas
e, no entendimento dos ministros, deveria ter sido o último a falar no
processo. Mas Sergio Moro, quando conduzia os processos da Lava Jato em
primeira instância, determinou que ele e os delatores apresentassem as
alegações finais no mesmo período.
Esta foi a primeira condenação determinada por Moro anulada pelo
Supremo desde o início da Lava Jato, em 2014. A maioria considerou que
há uma lacuna na lei da delação premiada, que não estabelece a ordem de
fala no processo dos delatores e dos delatados.
Na prática, a decisão da Segunda Turma cria um novo entendimento sore a
ordem de fala em alegações finais nos casos em que houver delação
premiada.
A definição, porém, não derruba outros processos nos quais delatores se
manifestaram no mesmo prazo dos delatados. Cada caso deverá ser
analisado separadamente. Se a Primeira Turma tiver um entendimento
diferente ou se a Procuradoria Geral da República recorrer, por exemplo,
o tema poderá ser analisado no plenário, formado pelos onze ministros
da Corte.
Aldemir Bendine chegou a ser preso em julho de 2017, mas foi solto em abril deste ano por determinação da Segunda Turma do STF.
Na ocasião, os ministros entenderam que a prisão preventiva (sem prazo) estava muito alongada, chegando a quase dois anos.
Durante o julgamento:
A defesa de Bendine argumentou que o direito à ampla defesa foi cerceado porque Bendine se manifestou após quem o delatou.
"O acusado tem o direito de rebater todas as cargas acusatórias, venham
de onde vierem. [...] Qual a natureza jurídica da prova produzida pelo
delator? Daí a importância de delatados falarem por último", argumentou
Alberto Toron.
Pela acusação, o subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha defendeu a manutenção da condenação.
"O paciente desde o início da persecução teve amplo acesso ao direito
de defesa, não havendo em hipótese alguma. Nesse contexto, não se
verifica irregularidade em decisão", disse.
Denúncia do Ministério Público
De acordo com o Ministério Público, Bendine recebeu em 2015 R$ 3 milhões em propina da Odebrecht para facilitar contratos entre a empreiteira e a Petrobras.
Ainda segundo a denúncia, quando comandava o Banco do Brasil, Bendine
pediu R$ 17 milhões à Odebrecht para beneficiar a empresa, mas não
recebeu todo o valor.
Relator da Lava Jato, o ministro Luiz Edson Fachin
considerou que o delator não é parte da acusação. Por isso, na
avaliação do ministro, não caberia abrir prazo primeiro para delatores e
depois para delatados, uma vez que todos são réus.
"A minha convicção é que o acordo de delação não é prova, é um
instrumento para que a pessoa possa colaborar com a investigação
criminal. A carga probatória das informações prestadas pelo colaborador
não podem ter tratamento processual discriminatório. [...] O legítimo
manejo de meio atinente de ampla defesa não apresenta distinção entre
colaboradores e não colaboradores. Em outras palavras, a adoção de
estratégia defensiva não causa ordem de manifestação de cada acusado",
afirmou Fachin.
Ricardo Lewandowski,
contudo, divergiu e considerou que os delatados têm o direito a rebater
as acusações dos delatores e, por isso, têm que se manifestar por
último.
"O direito de a defesa falar por último decorre do direito normativo.
Réus delatores não podem se manifestar por último em razão da carga
acusatória que permeia suas acusações. Ferem garantias de defesa
instrumentos que impeçam acusado de dar a palavra por último", disse.
Gilmar Mendes
concordou com o voto de Lewandowski: "A abertura de alegações finais do
colaborador deve ocorrer em momento anterior aos delatados. A abertura
para alegações finais deve se dar de modo sucessivo ao meu ver.
Reconheço que é tema difícil porque a questão se coloca a partir dessa
'via crucis' nova, por conta do uso do instituto da colaboração premiada
e desse aprendizado institucional que estamos a desenvolver."
Cármen Lúcia, em seguida, votou pela anulação da condenação de Bendine por considerar que os delatados têm o direito de falar por último.
"Nós temos processo penal, a acusação e o acusado. E os acusados estão
na mesmíssima condição. Nesse caso, temos uma grande novidade no
direito. O processo chegou onde chegou por causa do colaborador. Não
vejo que estejam na mesmíssima condição", disse.
Em nota, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná disse estar imensamente
preocupada com a decisão da Turma. A força-tarefa disse que, ao anular a
decisão, os ministros do Supremo estabeleceram uma nova interpretação
que, se virar regra, alterará pontos já pacificados como o da ampla
defesa.
"Contudo, essa nova regra não está prevista no Código de Processo Penal
ou na lei que regulamentou as delações premiadas", destacam os
procuradores da Lava Jato.
Para os procuradores, se o mesmo entendimento for aplicado nos demais
casos da operação Lava Jato, "poderá anular praticamente todas as
condenações, com a consequente prescrição de vários crimes e libertação
de réus presos".