Maria Aparecida Firmo Ferreira tem 79 anos, é cardíaca, sofre de
Parkinson, locomove-se com dificuldade e mora num casebre que fica na
parte mais miserável de Brasília — a favela Sol Nascente, conhecida pela
violência, dominada pelo tráfico de drogas e conflagrada por facções
que usam métodos similares aos das milícias cariocas. Sem se preocupar
com tudo isso, dona Aparecida, como é conhecida, enfrenta uma odisseia
diária. Aposentada, ela divide seu tempo entre cuidar de um filho
deficiente auditivo, ir ao posto de saúde buscar remédios e bater papo
com os vizinhos. Na segunda-feira 8, chovia muito, mas ela manteve a
rotina. Para se proteger, pôs um gorro na cabeça, vestiu dois casacos
sobre uma blusa e uma saia sobre uma calça de moletom. De muletas,
driblando a lama e os buracos da rua e sem conseguir esconder a
expressão de dor, caminhou mais ou menos 1 quilômetro até a casa de uma
amiga. Nesses encontros diários, há apenas um assunto proibido. Ninguém,
ou quase ninguém da vizinhança, sabe que ela é avó da primeira-dama
Michelle Bolsonaro.
A neta agora famosa, o presidente da República e a pobreza são
assuntos que parecem despertar sentimentos conflitantes em dona
Aparecida. Faz mais de seis anos que ela não vê a neta que ajudou a
criar. A avó não foi convidada para a posse, nem ela nem sua filha, mãe
de Michelle, Maria das Graças. Passados três meses de governo, ela não
recebeu convite para uma visita ao Palácio da Alvorada, a residência
oficial, que fica a apenas 40 quilômetros da favela. Por quê? Ela diz
que não sabe responder. O pastor Messias Rezende, da Assembleia de Deus,
é um dos poucos confidentes que sabem do parentesco. Ele já se dispôs a
tentar intermediar um encontro com o presidente Bolsonaro,
mas dona Aparecida rejeitou. “Aprendi que só vamos a pessoas
importantes quando somos convidados. É minha neta, cresceu lá em casa,
mas agora ela é a primeira-dama.” Por trás da recusa, ela revela um
temor: “Além disso, se eu chegar assim (diz apontando para as próprias roupas), posso ser destratada, e isso vai me magoar. Eu não tenho roupa, sapato, nada disso, para frequentar esses lugares”.
Por causa dessa falta de convivência com a neta, dona Aparecida
também perdeu o contato com as bisnetas há seis anos. A mais nova,
Laura, filha de Michelle com Bolsonaro, ela viu pela última vez quando a
menina tinha apenas 2 anos. O presidente ainda era deputado federal e,
embora já planejasse disputar a Presidência da República, tudo não
passava de uma ideia que poucos levavam a sério. A bisneta mais nova,
agora, tem 8 anos.
A mais velha está com 16. A avó acompanha, com a
ajuda do filho, o crescimento das meninas pelo grupo de WhatsApp da
família, no qual ela mesma não está incluída porque não sabe ler. “Eu
gosto muito do Jair. Gostei desde a primeira vez. Ele sempre me
abraçava, me beijava, me chamava de vó. Vou abraçar e beijar o meu
presidente, agora. Ele é uma pessoa muito humilde.
Tenho certeza de que,
se eu chegar lá, ele vai me receber com muito carinho. Eu ainda quero
vê-lo. Quando Jair sofreu o atentado, fiquei muito emocionada e passei a
jejuar para que ele melhorasse”, diz. Ela só tem elogios ao presidente:
“Tenho certeza de que o meu presidente vai ajudar os aposentados, vai
melhorar a saúde, vai dar emprego para todo mundo, vai acertar os
bandidos e vai baixar o preço das coisas”, lista. “Então, vai ficar bom
para mim também.”
Dona Aparecida sente o peso da idade, da falta de estrutura do local
onde mora e de receber um salário mínimo de aposentadoria, conseguida
graças aos anos em que trabalhou nos serviços gerais em uma das sedes do
Banco do Brasil. Além de problemas cardíacos e do Parkinson, ela tem
colesterol alto e osteoporose — a doença responsável pelo uso de
muletas. Mas diz que “Deus dá força”. Quando um dos filhos não pode
levá-la às consultas médicas, ela própria caminha até o ponto de ônibus
mais próximo, a cerca de 1 quilômetro. Os remédios são da farmácia
popular. E a alimentação é incrementada por uma cesta básica fornecida
pelo governo do Distrito Federal. “Gosto de algumas pessoas, mas, se eu
pudesse escolher, sairia daqui”, diz.
A vida é dura no Sol Nascente. Falta rede de coleta de esgoto, falta
asfalto nas ruas, falta coleta de lixo em grande parte das residências e
faltam informações oficiais atualizadas. VEJA pediu ao governo do
Distrito Federal dados sobre segurança pública na região, considerada
uma das mais violentas, mas a Pasta responsável pela área informou não
os ter, embora a favela tenha alcançado 79 912 moradores, uma das
maiores do país. Por cinco dias, a reportagem da revista esteve no Sol
Nascente. Encontrou pichações alusivas a grupos de bandidos locais, ao PCC
e à carioca Amigos dos Amigos (ADA). No entanto, segundo o delegado da
19ª DP, Jonatas José, que atende a favela, os grupos locais foram
desmantelados em 2016. “O que há são criminosos isolados, mas não há
facção organizada, que controle território, nada disso”, diz.
Numa ocasião, a reportagem de VEJA foi abordada por três homens
armados. Após apresentarem seus distintivos, solicitaram a identificação
dos jornalistas. Eram policiais civis à paisana. “Só abram o olho,
porque isso aqui é perigoso”, disse um deles. VEJA estava a poucos
metros da casa de dona Aparecida. Motoristas de aplicativos também se
recusam a entrar em algumas áreas da favela. Apesar de topar conversar
com a reportagem, dona Aparecida disse que não quer dar entrevista. Ou
melhor: “Lá em cima eles não querem que eu fale”. Perguntada a quem se
referia, respondeu:
“Michelle”. “Meu filho mais velho disse que se me
sequestrarem a ordem é não pagar o resgate e, aí, vão me matar”,
assusta-se ela. Dona Aparecida diz que só abriria uma exceção ao
apresentador Ratinho. “Se eu falar com o Ratinho, ele vai me levar lá no
Planalto… Porque, se você me levar lá, eles vão botar a gente para
correr. Mas o Ratinho, não. Eu vi na TV que ele é amigo do Jair. E um
dia eu quero ir lá.”
A Neta milionária de uma Avó muito pobre. A vida da avó da esposa de Bolsonaro numa favela a 40 km do Alvorada
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abril 12, 2019



