O governo Bolsonaro
derrete a cada dia. Nesta quarta-feira 27, o derretimento veio em forma
de uma longa agonia, parte dela transmitida ao vivo pela TV, que exibiu
nomes de peso da gestão acossados por membros do Congresso durante
discussões sobre temas relevantes.
A agenda já era perturbadora. Nada menos que cinco ministros
estavam convidados pelo Legislativo para expor, a parlamentares
desconfiados, o que afinal o governo pretende fazer com o mandato que
obteve nas urnas.
E não foram quaisquer ministros. Paulo Guedes (Economia),
Sergio Moro (Justiça), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Vélez
Rodríguez (Educação) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde), todos à frente de
pastas de primeiro escalão, foram para o debate.
Não deu para cantar muita vitória. O fato de cinco ministros
desse calibre estarem tendo que explicar o que pretendem fazer evidencia
uma certa fragilidade política do governo e a animosidade de
parlamentares com o titubeio um tanto frenético que marca o início da
gestão Bolsonaro.
Guedes, o mais importante deles, chegou a discutir com uma senadora (Kátia Abreu) e disse, quase em tom de desânimo, que, se a reforma da Previdência – o canto da sereia para o mercado – não passar, não tem como continuar no cargo.
“Se o presidente ou a Câmara ou ninguém quer aquilo (aprovar a
reforma), eu vou me sacrificar ao trabalho dos senhores? De forma
alguma, eu voltarei para onde sempre estive”, afirmou.
Moro foi questionado sobre o seu pacote anticrime
e também disse que, se mudarem a proposta retirando dela o combate à
corrupção, não concordaria. Teve de ouvir que a prioridade será
iniciativa semelhante de Alexandre de Moraes, que já ocupou seu cargo – e
que não toca no tema.
O ex-juiz da Lava Jato chegou a dizer que topava que fosse
assim, desde que levassem em conta também os pontos sugeridos em seus
projetos e não contemplados pelo antecessor, entre eles o combate à
corrupção.
Vélez aumentou
a desconfiança sobre sua capacidade para o cargo e se enrolou em
algumas perguntas – apelou até ao conterrâneo Pablo Escobar, o célebre
traficante, para defender a militarização das escolas.
Tambem não tinha muito o que mostrar, já que gastou o seu tempo
até agora nomeando e demitindo auxiliares, numa barafunda
constrangedora, ou tentando emplacar pautas ideológicas que nem de longe
tocam nos principais problemas da educação.
O mesmo pode-se dizer de Ernesto Araújo, outro auxiliar cujas
credenciais para a função são cada vez mais questionadas. Na Comissão de
Relações Exteriores da Câmara, disse que não houve golpe em 1964 e que a
tomada de poder pelos militares foi um “movimento necessário”.
Virou alvo de ironia do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), que
disse que preferia que as perguntas fossem respondidas “pelo ministro
nomeado, e não pelo ministro de fato”, numa alusão à participação do
deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), presidente da comissão e cada vez
mais influente em questões de política externa do governo.
Menos pior se saiu Mandetta, mas é mau sinal que tenha gastado a
maior parte de seu tempo reforçando que não vai acabar com um programa
criado na gestão petista, o Mais Médicos.
O tom geral nas inquirições aos ministros foi de
desapontamento, incredulidade e até hostilidade. Isso no período em que
deveria estar ocorrendo a tradicional lua-de-mel com o Congresso.
E o capitão? O capitão estava provocando confusão com estudantes
do Mackenzie ao marcar uma visita ao palco de um célebre confronto
durante a ditadura numa semana em que ele achou que era de bom tom pedir
que a população e os militares comemorassem o aniversário do golpe de
1964.
Passou pelo constrangimento de ver uma juíza federal lhe
intimar para explicar que tipo de festa cívica, afinal, estava propondo
aos brasileiros. Ainda não respondeu.
Com os protestos se desenhando desde a véspera da visita,
cancelou a agenda na universidade – o que esvaziou, mas não impediu as
manifestações – e se refugiou em um habitat onde se sente seguro: o
Comando Militar do Leste.
Mas ele ainda faria mais para incendiar a fogueira que, aos
poucos, mas numa velocidade assustadora, vai consumindo o seu governo.
Achou, por exemplo, que tudo bem manter acesa a polêmica
institucional com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que se
arrasta há dias, em torno da inexistente articulação política de sua
gestão.
Disse que entendia a irritação de Maia e que o outrora aliado
estava abalado por “questões pessoais”, em referência à prisão do
padrasto da esposa do deputado, o ex-ministro Moreira Franco, pela Lava
Jato.
Maia foi com os dois pés na faixa presidencial.
“Abalados estão
os brasileiros, que estão esperando desde 1º de janeiro que o governo
comece a funcionar. São 12 milhões de desempregados, 15 milhões de
brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza e o presidente brincando
de presidir o Brasil”, disse.
Bolsonaro rebateu, dizendo lamentar e até mesmo duvidar que o
deputado, peça-chave na reforma da Previdência, tivesse dito o que
disse. “É uma irresponsabilidade”, declarou..
O mercado, que já gritou vivas ao novo mandatário, sentiu o
golpe e disparou o alerta: o Ibovespa caiu quase 4% e o dólar chegou ao
valor mais alto desde outubro, mês do triunfo eleitoral de Bolsonaro.
Não se sabe se há algum cálculo político no comportamento
errático do governo, mas o fato é que, sem precisar da oposição, a
gestão desmorona sob os olhares perplexos até de quem apoiou (ou ainda
apoia) o projeto bolsonarista.
Um exemplo claro veio dos evangélicos, setor da sociedade que
catapultou Bolsonaro ao poder e que, segundo recente pesquisa Ibope, é
responsável pela maior fatia da população que ainda está com o governo.
Recém-eleito presidente da bancada evangélica, o deputado Silas
Câmara (PRB-AM) afirmou, assim que tomou posse no cargo, também nesta
quarta-feira, que é contra qualquer negociação do grupo que envolva
participação no governo.
“A frente se afastará, por completo, de atuação política direta
com o Executivo e voltará a ser a frente dos evangélicos em defesa da
família, da vida e dos princípios cristãos”, anunciou.
E olhe que foi um dia em que os filhos do presidente, até então
as maiores fontes de confusão, não deram o ar da graça. Talvez estejam
guardando algo para esta quinta-feira, nunca se sabe, mas o fato é que
não botaram lenha na fogueira.
Entre tantas sandices ditas e feitas, de manhã até a noite pela
trupe bolsonarista, a frase do dia acabou sendo essa, proferida pelo
presidente em entrevista na TV Bandeirantes “O que eu tenho feito de errado?”.
Alguém precisa esclarecer isso com urgência ao capitão.
Governo arde a céu aberto e Bolsonaro indaga: o que tenho feito de errado?
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março 28, 2019